A psicologia por trás da compulsão alimentar e como superá-la

Publicado em 08/08/2023.

Tempo de leitura: 6.4 minutos.

Compulsão alimentar e psicologia.

O ato de comer é algo que faz parte de diversos ritos sociais, incluindo comemorações, momentos íntimos com família e amigos, além de ser uma forma de aliviar frustrações e estresses.

O equilíbrio entre os momentos de exagero e a rotina normal de alimentação, no entanto, é essencial para a manutenção da saúde, principalmente quando nos vemos frente a potenciais transtornos alimentares.

Nesse sentido, entender o que está por trás da compulsão alimentar, bem como as abordagens terapêuticas existentes, se torna algo essencial, dada a alta prevalência que os diferentes transtornos alimentares vêm atingindo nas últimas décadas.

Assim, este artigo tem como objetivo entender o papel das questões psicológicas na compulsão alimentar, desmistificando alguns conceitos e focando nas formas de manejo atualmente disponíveis.

A compulsão alimentar

A compulsão alimentar é um comportamento ou sintoma alimentar caracterizado pela ingestão de uma grande quantidade de alimentos em um curto período de tempo. Esses exageros ocorrem em episódios, que normalmente vêm acompanhados de uma grande sensação de descontrole e culpa.

Além disso, a compulsão alimentar normalmente envolve alimentos hiperpalatáveis, ou seja, ricos em sal, açúcar, gordura e /ou flavorizantes, sejam eles doces ou salgados. O mecanismo responsável pela compulsão parece funcionar de forma semelhante àqueles associados ao uso problemático de substâncias psicoactivas.[1]Kalon E, Hong JY, Tobin C, Schulte T. Psychological and Neurobiological Correlates of Food Addiction. Int Rev Neurobiol. 2016;129:85-110. doi: 10.1016/bs.irn.2016.06.003. Epub 2016 Jul 22. PMID: … Continue reading

Isso indica que a compulsão não está necessariamente ligada ao alimento em si, mas ao ato de comer. E deve ser analisada juntamente com os sintomas que podem ser vistos durante esses episódios:

  • Vergonha, que pode levar a pessoa a comer escondido
  • Culpa e rebaixamento do humor
  • Incapacidade de parar de comer, mesmo já tendo saciado a fome

No entanto, é frequente a supervalorização dos aspectos biomédicos relacionados à compulsão alimentar, focando também nos sintomas e tratamentos disponíveis. Isso demonstra a necessidade de novas pesquisas que tenham como objetivo entender a compulsão alimentar de forma ampla, com foco no sujeito que dela sofre.[2]BLOC, Lucas Guimarães; NAZARETH, Ana Clara de Paula; MELO, Anna Karynne da Silva  e  MOREIRA, Virginia. Transtorno de compulsão alimentar: revisão sistemática da literatura. Rev. Psicol. Saúde … Continue reading

 

Compulsão Alimentar Versus Transtorno de compulsão alimentar

A compulsão alimentar como comportamento está presente em outros transtornos alimentares, como a bulimia nervosa. É, nesses casos, considerada um sintoma.

Mas existe também o Transtorno de compulsão alimentar, onde o comportamento compulsivo com relação aos alimentos está presente, mas sem as características purgativas associadas à bulimia.

Os tratamentos para ambas as situações envolvem, em grande medida, manejos similares, com o uso de psicoterapia e medicamentos. Entretanto, as especificidades de cada paciente devem ser levadas em consideração na hora de criar um plano terapêutico, para assim melhorar a chance de sucesso.

A psicologia da compulsão alimentar

A compulsão alimentar frequentemente está associada a distúrbios psiquiátricos, principalmente aos transtornos de humor, como a depressão. Mas essa relação não significa causalidade, uma vez que a compulsão pode surgir como uma forma de aliviar alguns sentimentos negativos da depressão, mas também o excesso de peso, decorrente da compulsão alimentar pode ser um fator que contribua para a redução da autoestima e o rebaixamento do humor, característicos da depressão.

A ansiedade também parece estar ligada à compulsão alimentar, sendo este último um mecanismo para lidar com os sintomas do primeiro.[3]Luppino FS, de Wit LM, Bouvy PF, Stijnen T, Cuijpers P, Penninx BW, Zitman FG. Overweight, obesity, and depression: a systematic review and meta-analysis of longitudinal studies. Arch Gen Psychiatry. … Continue reading

Veja também: Obesidade e Depressão – duas condições cercadas por mitos e preconceitos

Formas de tratamento disponíveis

O tratamento da compulsão alimentar deve ser sempre individualizado, tendo em vista os aspectos psicológicos envolvidos, bem como as possíveis comorbidades relacionadas à obesidade e ao sobrepeso.

Mas, de maneira geral, podemos dividir as formas de tratamento em diferentes grupos:

 

Tratamentos psicológicos da compulsão alimentar

A terapia psicológica, em suas diferentes abordagens, é uma peça chave no tratamento da compulsão alimentar, uma vez que ela permite o reconhecimento de padrões patológicos de comportamento, bem como o fortalecimento da autoestima e a criação de formas de manejo para o problema.[4]Iacovino JM, Gredysa DM, Altman M, Wilfley DE. Psychological treatments for binge eating disorder. Curr Psychiatry Rep. 2012 Aug;14(4):432-46. doi: 10.1007/s11920-012-0277-8

No caso específico da compulsão, duas formas de terapia têm se destacado, por seus resultados e aceitabilidade por parte do paciente. São elas:

  • Terapia cognitivo comportamental
  • Psicoterapia interpessoal

Outras abordagens psicoterapêuticas podem ser utilizadas, de acordo com a experiência pessoal do paciente e do profissional envolvido. Porém, os estudos com resultados mais promissores utilizam essas duas abordagens citadas acima.

 

Tratamento medicamentoso da compulsão alimentar

O uso de medicamentos pode ser feito tanto para tentar controlar a compulsão, quanto para tratar os possíveis transtornos associados. Eles normalmente incluem antidepressivos, estabilizadores de humor e medicamentos antiobesidade.[5]McElroy SL, Guerdjikova AI, Mori N, O’Melia AM. Pharmacological management of binge eating disorder: current and emerging treatment options. Ther Clin Risk Manag. 2012;8:219-41. doi: … Continue reading

Os mais comumente usados são:

  • Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs): Essa classe de antidepressivos possui um bom resultado no curto prazo. Porém, sua eficácia a longo prazo ainda não foi totalmente estabelecida
  • Estimulantes: Indicado para casos moderados a severos, este medicamento parece reduzir a quantidade de episódios de compulsão alimentar. No entanto, seus benefícios em tratamentos prolongados ainda precisam ser melhor estudados
  • Anticonvulsivantes e outros medicamentos com efeito supressor de apetite: Embora as evidências sejam escassas, o esse tipo de fármaco tem o potencial de contribuir para o tratamento da compulsão alimentar
  • Fármacos com ação antiobesidade: Apesar de não atuar na compulsão alimentar em aí, esse medicamento pode ser útil na redução de peso, uma consequência grave desse transtorno

 

Outras abordagens

O acompanhamento por diferentes profissionais de saúde é essencial para o tratamento da compulsão alimentar, tendo em vista que o quadro com frequência está associado a outras questões de saúde.

Assim, é comum que esses pacientes sejam encaminhados para:

  • Nutricionista
  • Fisioterapeuta ou educador físico, a depender da capacidade de realização de exercícios
  • Endocrinologista

Desta forma, é possível tratar as potenciais causas e consequências da compulsão, melhorando os resultados de longo prazo.

 

Resumo

  • Chamamos de compulsão alimentar os episódios de consumo de grandes quantidades de alimentos, associados a perda de controle e à ocorrência sentimentos negativos
  • Esses episódios frequentemente estão associados a alguns transtornos psiquiátricos, como a depressão e a ansiedade
  • Os tratamentos disponíveis envolvem psicoterapia e o uso de medicamentos, e podem ser beneficiados do acompanhamento nutricional e da prática de exercícios físicos

Referências

Referências
1 Kalon E, Hong JY, Tobin C, Schulte T. Psychological and Neurobiological Correlates of Food Addiction. Int Rev Neurobiol. 2016;129:85-110. doi: 10.1016/bs.irn.2016.06.003. Epub 2016 Jul 22. PMID: 27503449; PMCID: PMC5608024.
2 BLOC, Lucas Guimarães; NAZARETH, Ana Clara de Paula; MELO, Anna Karynne da Silva  e  MOREIRA, Virginia. Transtorno de compulsão alimentar: revisão sistemática da literatura. Rev. Psicol. Saúde [online]. 2019, vol.11, n.1 [citado  2023-07-12], pp. 3-17 . Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-093X2019000100001&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 2177-093X.  http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v11i1.617.
3 Luppino FS, de Wit LM, Bouvy PF, Stijnen T, Cuijpers P, Penninx BW, Zitman FG. Overweight, obesity, and depression: a systematic review and meta-analysis of longitudinal studies. Arch Gen Psychiatry. 2010 Mar;67(3):220-9. doi: 10.1001/archgenpsychiatry.2010.2
4 Iacovino JM, Gredysa DM, Altman M, Wilfley DE. Psychological treatments for binge eating disorder. Curr Psychiatry Rep. 2012 Aug;14(4):432-46. doi: 10.1007/s11920-012-0277-8
5 McElroy SL, Guerdjikova AI, Mori N, O’Melia AM. Pharmacological management of binge eating disorder: current and emerging treatment options. Ther Clin Risk Manag. 2012;8:219-41. doi: 10.2147/TCRM.S25574

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